Este é um relato de “segunda linha”, como as ruas de “segunda linha” duma praia concorrida por hordas de banhistas, sobre um local, mesmo ao lado e, ainda assim, ocultado e desdenhado pelos circuitos dos populosos magotes de turistas que vêm visitar e conhecer o Porto! Mas há outro Porto para além daquele que os tuk-tuks e autocarros “hop-on hop-off” deixam vislumbrar em visitas de lambidelas com os olhos por ruas, sítios, monumentos e lojas de artesanato pauperrimamente padronizado e restaurantes de comida gourmet de chef ou de cozinheiro e o omnipresente “brunch all day”!
Cheguei ao retiro de que vou falar por recomendação do Sr. Bessa, mestre barbeiro de barbearia centenária que traz o mesmo nome desde o seu avô, na Rua da Bainharia, paredes-meias com a concorrida Avenida de Mouzinho da Silveira, um estabelecimento que também aqui recomendo, pelo corte de cabelo e barba a pedido e pelas interessantes conversas sobre a vida e transformações da cidade que ainda existe fora das montras turísticas e que é vista, vivida e sentida por autóctones que ainda habitam e trabalham naquele seu “bairro”, de forma bem diferente da visão oficial da edilidade e outros organismos de gestão da cidade.
Pois o local é o “Retiro da Sé”, restaurante na Travessa de São Sebastião, n.º 29, encostada à muito procurada e visitada Sé Catedral do Porto e ao edifício da antiga Casa da Câmara, mas afinal tão fora de vista. Parece efetivamente um retiro, por ser um local discreto, sossegado e de fé! Na capacidade de resistência dos donos em manter a casa e a gastronomia tradicional que ali ainda é servida. A fachada deixa perceber um edifício pacato, simples, singelo, o que se repete no interior, nas salas, nas mesas e na decoração. Ao lado da porta está afixada a ementa do dia em letra manual cuidadosamente lavrada, semelhando um códice iluminado (ver foto anexa). Percebe-se uma simplicidade honesta na cozinha que surge à vista, transparente, logo à entrada. Ao lado, duas salas com mesas e cadeiras de parca fabricação, adjetivo que serve também ao restante mobiliário, às toalhas de plástico, à louça e aos talheres, modestos mas com limpeza e asseio. As paredes ostentam quadros emoldurados com fotografias de monumentos e paisagens da cidade, a preto e branco, coloridos galhardetes de clubes desportivos e associações recreativas, uma roda constituída por notas de banco de diversos países deixadas por visitantes e cosmopolitamente exibida. Uma decoração kitsch evidenciada por um cartaz publicitário às águas “Salus Vidago” mostrando a sensualidade duma modelo que segura uma garrafa da dita bebida na vizinhança próxima dum quadro de Cristo Redentor rodeado de angélicas figuras, rematado no fundo com um galhardete dum clube de futebol, numa combinação inusitadamente casual.
O estabelecimento tanto pode evocar a casa dos nossos pais ou dos nossos avós na aldeia como a casa duma modesta família operária dos arredores da urbe tripeira. A comida é apresentada bem confeccionada, com cozedura, fritura e tempero adequados, bem apaladada no caso das deglutidas sardinhas fritas (petingas) com batatas cozidas, em generosa dose, tudo regado com azeite, prato acompanhado de pão torrado com manteiga de alho, como entrada, provavelmente com económico aproveitamento do sobrante alimento. O vinho branco maduro é singelinho, de límpida cor e fresco sabor. O atendimento é franco, descontraído e acolhedor, sem ademanes nem desproporcionados protocolos, o que também condimenta facilita a manducação, pela satisfação do sentir do espaço, castiço, despretensioso, honesto. O preço é condicente, portanto acessível.
Uma pequena pepita gastronómica escondida, agora revelada para quem a queira desfrutar.
Bom apetite!
João Paulo Lopes
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27 Setembro 2024
8,0