Não é propriamente uma refeição, é uma narrativa. O menu II do Degust’AR não se limita a alimentar, conta uma história – de onde vimos, para onde podemos ir, o que pode a tradição quando alguém decide não a tratar com luvas de museu. Oito atos, oito capítulos, cada um meticulosamente encenado, sem sobressaltos, sem atropelos, como se o chef soubesse exatamente onde nos quer levar. E nós, rendidos, seguimos.
O couvert já prometia: azeitonas de outra esfera, pães mornos e honestos, manteiga de cabra com textura de nuvem e um patê que nos preparava para a inevitável pergunta: isto é só o início? Depois, a delicadeza do mar na forma de vieiras coradas, num abraço de creme de batata e um caldo de açorda que evocava todas as cozinhas alentejanas que alguma vez existiram. O presunto desidratado era apenas o aceno final, um pormenor essencialmente supérfluo ou supérfluo porque essencial.
O tártaro, que é um risco sempre, fez justiça à ideia de simplicidade elaborada. Carne picada como deve ser, gema sem hesitação, tostas alentejanas a lembrar-nos que até um prato de bistrot pode, afinal, falar com sotaque. Seguiu-se a garoupa, devidamente corada, escoltada por migas de tomate e poejo que não eram um acompanhamento, mas sim uma memória.
Depois, a ousadia de um polvo que chega como quem tem plena consciência da sua relevância, e com ele, a esmagada de batata que não era apenas um acompanhamento, mas sim um regresso a um tempo há muitos anos, quando o chef João Antunes ainda brilhava no infelizmente desaparecido Vin Rouge e servia uma esmagada de batata de igual perfeição. Uma execução tão rara que quase se confunde com nostalgia.
O peito de pato não precisa de subterfúgios – intenso, suculento, tão bem acompanhado que quase o invejamos. O lombo de novilho, remate final, selado com a solenidade de quem sabe que a carne, quando é bem tratada, não precisa de artifícios.
As sobremesas foram a epígrafe perfeita para esta epopeia gastronómica: frescura, doçura, redenção. E a harmonização vínica, escolhida pelo escanção e chefe de sala João Silva, que privilegiou pequenos produtores regionais e que nos deu a provar coisas novas, essa, foi o golpe de asa. No fim, fica a certeza de que o Degust’AR não serve apenas comida. Serve memórias. E essas, como sabemos, têm o estranho hábito de nos fazer querer regressar.
Jorge F
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11 Fevereiro 2025
10,0
Comida divinal e toda uma envolvente muito acolhedora. Menu com várias opções e sabores variados. Excelente apresentação dos pratos!
Comemos ovos rotos à Degust’Ar, farfalle com bolonhesa de lentilhas e manjericão e lombo de novilho selado com salsa fresca e tomilho, arroz cremoso de citrinos, feijão verde e cogumelos pleurotus. No fim, pedimos o aveludado de chocolate branco como sobremesa. Soberbo!
Adília Pereira
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26 Novembro 2024
10,0